Uma das amarrações que sustentaram esse projeto foi a compreensão da existência da fotografia-expressão no que Félix Nadar define como Primórdio da fotografia (CARDOSO, 2007). Ao assistir o primeiro episódio do documentário História da fotografia de Stan Neumann, homônimo, Primórdios da fotografia, fui tomado por uma alegria já conhecida. Parecia aquela da infância, quando estudava um fenômeno natural. Quando entendi o ciclo da água ou a existência da atmosfera. Foi uma descoberta; conectar-me a essas imagens de meados do século XIX (1850 e 1860), Gustave Le Gray, Édouard Denis Baldus, Hippolyte Bayard, Oscar Rejlander. Dessa forma e nesse momento, passei a internalizar, sedimentar como a escrita fotográfica estava presente desde a gênese da linguagem. Perceber como foi possível e necessário materializar seus distintos imaginários fotográficos, e ao mesmo tempo desviar de seu paradigma. E é a Rouillé (2009) que recorro para identificar essas produções como práticas embrionárias ou marginalizadas da fotografia-expressão, ou seja, práticas que não asseguram relação direta −sequer reduzida− com as coisas, que não colocam, face a face, real e imagem, em uma relação binária de aderência.
Em contraponto, salta aos olhos o domínio pelo qual o campo da fotografia documental exerce nos diversos meios de proliferação do conhecimento fotográfico. Como seu discurso hegemônico veste-se de uma manta cínica para fundamentar uma isenção humana na produção de imagem. Somente agora, diante das mudanças que a sociedade está cruzando, adentrando vertiginosamente na era da informação, que as estruturas que sustentavam a credibilidade da fotografia vem se rompendo. Somente agora, diante das ferramentas de processamento de imagens, aplicativos, acesso aos inúmeros aparelhos de captação de imagem fotográfica que porção dos cidadãos comuns passam a digerir o quanto a imagem fotográfica é passível de manipulação.
Ao longo do último quarto de século XX, após um século e meio de reinado quase absoluto do aspecto documental da fotografia (que será designado pelo termo “fotografia-documento”), assistimos a uma nítida virada de tendência. O documento entrou em crise, profunda e duradoura, que resultou no progresso da “fotografia-expressão” a fotografia em seu aspecto expressivo que durante muito tempo, esteve escondido ou foi rejeitado.(ROUILLÉ, 2009, p.27).
Outro vínculo de apoio foi conhecer os trabalhos do pesquisador e artista Joan Fontcuberta no qual afronta a objetividade da fotografia utilizando a própria estética documental, e estabelece uma relação admirável entre o realismo fotográfico e o relato bíblico de Judas, onde a traição está escondida num beijo, anunciado, e, no entanto, terrivelmente eficaz.
Uma outra conexão foi conhecer o conceito de Documentário Imaginário através da tese de mestrado de Kátia lombardi, para assimilar como a subjetividade do artista pode, assumidamente, se infiltrar nas características fundamentais da fotografia documental. Mais tarde o curador Eder chiodetto vem reforçar o conceito com a exposição Documental imaginário trazendo uma compreensão mais clara desse lugar criativo entre realidade e ficção, documento e imaginação.
A experiência na realização, ser o sujeito consciente da experiência, um peiratês na travessia do desconhecido, um navegar no sentir, um território de passagem, lugar de chegada, espaço do acontecer, foi o fator mais determinante. O fazer transbordou o imaginado/planejado e gerou imagens das quais apresento uma breve síntese com muito apreço.
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CARDOSO, Marília Rothier. Uma investigação na intimidade do portrait fotográfico. 2007. Tese de Doutorado. PUC-Rio.
FONTCUBERTA, Joan. A câmera de Pandora: a fotografia depois da fotografia. Barcelona: Editorial G.Gili, 2012.
LOMBARDI, Kátia. Documentário imaginário: novas potencialidades da fotografia documental contemporânea. Belo Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, 2007.
LARROSA, Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista brasileira de educação, n. 19, p. 20-28, 2002.
NEUMANN, Stan. Documentário História da fotografia. Parte 01 - Primórdios da fotografia, 2010.
ROUILLÉ, André. A fotografia entre documento e arte contemporânea. São Paulo: SENAC, 2009.
http://ederchiodetto.com.br/documental-imaginario-texto-do-curador-2/__
